terça-feira, fevereiro 06, 2018

GOSTO DE GOSTAR DEVAGARINHO...



Não consigo começar a escrever. Um toque do meu telemóvel anuncia a entrada da mensagem escrita... outro avisa-me da chegada de mais um 'mail'...
As respostas tornam-se necessárias e querem-se rápidas, imediatas. E tenho pena. Pena, por ter de acelerar a minha capacidade de resposta na ponta dos dedos. Pena, por não poder saborear devagar cada letra, como as desenhadas a canela num chocolate quente.
Esta comunicação é, tantas vezes, o sorriso esperado no dia, mas tantas vezes evita que as pessoas se olhem e se saboreiem com o olhar, se deliciem no prazer dos gestos, na forma a informar a forma. Os dedos levam-nos a conta-gotas até ao outro, um conta-gotas rápido de mais.
Para mim... uma amizade, uma relação, constrói-se 'à moda antiga', cumprindo etapas, marcando encontros, pensando a dois. Ou tocando. Na mão do outro. Há alguma coisa que se compare aos olhos do outro? Por isso gosto tanto dos olhos. Gosto da luz líquida dos olhos.
...
E gosto de gostar devagarinho.
Gosto que me vejam abrir a porta com os cabelos primeiro, depois com os olhos e no fim com o meu sorriso habitual.
E de ser por mim que esperam. Pelo sabor da minha pele, pela luz macia da minha voz, pelos gestos do meu olhar... que não cabem nas palavras.

6 comentários:

Rui Gonçalves disse...

Concordo...os olhos e as mãos são a face do pensamento.
Atrevo-me a contar-te uma pequena história:

"Num velho caminho, uma pequena erva daninha sobrevivia a custo, às passadas e ao pisotear dos pés decuidados das crianças que por ali passavam diariamente a caminho da escola. De vez em quando, algumas delas colhiam uma pequena flor azul que a custo aquela erva esforçava-se por manter discreta. Mesmo assim, e apesar dos maus tratos, mantinha-se viçosa ainda que a muito custo e persistência.
As crianças cresceram até um dia deixarem de percorrer aquele caminho. Então, liberta de tormentos, aquela erva, cresceu, cresceu e floriu, uma e outra vez até crescer tanto que acabou por tapar o caminho por nonde outrora passavam crianças brincando. Agora só o silêncio se ouvia e mais ninguém passaria ali outra vez. Então aquela erva, agora arbusto reconheceu que mais ninguém a olhara nem admirara as suas pequenas flores azuis, e acabou por definhar e deixar de florir."

Maria disse...

Concordo contigo. Os olhos...

Texto muito suave, doce mesmo, e muito bonito.
Ternurento.

Beijinhos, Ni

Apache disse...

Um texto a condizer com o chocolate quente, macio, suave, acolhedor, para "beber" devagar!

Cleopatra disse...

Eu também gosto de saborear.
Mas parece que são raras as pessoas que gostam de saborear.
saborear.. é um a"chatice" um aborrecimento, uma perda de tempo.
Saborear?
Que é isso?!

O tempo não se pode perder.. e saborear é perder tempo....

Desilusão...

Nem o Sol
Nem o ar...
Nem o aroma do mar, do café ou do chá.. a delícia do som... ou o sentir apenas do silêncio..
Ai NI.

Devemos ser pessoas muito complicadas!

Cleopatra disse...

"Há alguma coisa que se compare aos olhos do outro? Por isso gosto tanto dos olhos. Gosto da luz líquida dos olhos."


Já me disseram isto....
E esqueceram...ou será que faz de conta que esqueceram????

Os olhos... - dizia a minha avó - são o espelho da alma.
Os teus olhos diz a minha mãe.. Não enganam.Podes sorrir mas eles sabem sempre a verdade!


É verdade.. é nos olhos que buscamos a verdade!
mesmo a verdade da prova..
Seja ela qual for.

João disse...

Sábias são todas as palavras que saiam de uns olhos que nos fitem com amor