quinta-feira, janeiro 24, 2008

RECADO

Post recuperado de Fevereiro de 2007...

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As minhas palavras suaves, murmuradas... e fortemente aromatizadas a canela, pediram-me que te dissesse que ainda sinto o traço da tua língua no arrepio da pele que redescobre a urgência do toque.
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Ni*


domingo, janeiro 20, 2008

MESMO DE OLHOS VENDADOS... ENCONTRAR-TE-IA...


'Mesmo de olhos vendados... encontrar-te-ia.' Ele sorriu. 'Como?'. Ela murmurou palavras quentes de certeza e de marés, a boca dela tocando a dele: 'Pelos sulcos que os cisnes desenhavam no lago do jardim onde desde sempre te aguardei. E na esperança sempre verde, sempre líquida, da tua chegada, tranformei o meu peito num altar votivo da Força... que permitiu que no meio dos momentos mais áridos da minha alma, e das turbações mais frenéticas do meu corpo, eu abraçasse cada alvorada como uma promessa de ver-te chegar e entrar em mim. Eu encontrar-te-ia.' Ele olhou-a, em silêncio. 'Fala comigo', disse ela, num murmúrio quente que se ouviria do outro lado da lua... se os pássaros de rumos ousados por lá passassem. 'Não posso, não quero! Hoje apenas tenho dentro de mim o silêncio de te cobrir toda de beijos...'
Ela encontrá-lo-ia. Mesmo de olhos vendados. Mesmo com tempos trocados, com espaços desfasados. Ela sabia-o. E ele também.
Ni*


domingo, janeiro 13, 2008

A ÁRVORE DOS AMANTES...


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DESAFIO:
Uma Imagem... um som... um texto.
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A ÁRVORE DOS AMANTES


Encontraram-se na raiz de todo o rubro querer. Ela estendeu as mãos e soltou as palavras, num voo em ascendente espiral:
‘Hoje, meu amor, poderia falar do teu rio que em mim desagua, quando é do teu corpo dentro de meu que falamos. Ou poderia falar do nosso desejo disfarçado de mar. Agitado e gemido, colorido de céu, ébrio de maresias, com odor a infinito e sabor a nós. Poderia falar do teu orvalho, doce e salgado, nas minhas coxas. E dos teus olhos canela-tentação, quando estás em mim e queres ficar mais e mais. E ainda mais. Hoje, amor, poderia adornar-te com palavras mansas, sussurradas junto à nuca, e fazer-te nascer, uma e outra vez, no meu ventre... maré cheia e quente. Ou dançar sobre o teu peito sublimado, de sussurros tatuado, onde me ancoro. Poderia, amor, desenhar em ti gestos pausados e meigos, gemidos sentidos e até o eco da palavra AMOR. Poderia traçar suaves asas sobre o teu corpo, onde me inspiro e cavalgo. Onde me espraio no grito. Onde sou tão mulher. Mas hoje, meu amor, não quero apenas amar-te ou desejar-te. Nem sequer apenas aninhar-me em ti. Hoje quero morrer como se morre no último acto de uma peça única. E renascer, em seguida, com um outro nome que seja a tua imagem. Vem, e leva-me, com o teu jeito ternura, à raiz da árvore de todos os amantes’.

E ela, nua, acendeu velas azuis e espalhou orquídeas por memórias secretas das suas luzes, que suaram e resvalaram, ofegaram e gemeram, se tocaram e se repeliram, se expandiram e se contraíram, se crisparam e se esvaíram. E ela sorriu-lhe, trémula como uma flor acabada de colher. E ele sorriu-lhe também. Como só ele sabe...
Ni*




A Árvore Dos Amantes



Ser Elemental, Vivo para além dos Séculos, ligado a uma Idade para além da Idade: o beijo verde da Terra-Mãe...

...a Árvore havia contemplado esta História... em capítulos esparsos, que pareciam sempre acabar por cair no abraço do seu tronco, em momentos por demais significativos, do Amor Radiante, cintilante, de dois Amantes...

Num abraço amoroso, silencioso, imóvel no movimento de brisas que estremeciam as suas folhas e ramos, ela havia amparado no sabor do seu abraço ondulante, aquelas duas crianças (para a Árvore, vidas tão efémeras, eram equivalentes às de crianças, por comparação com a sua ancestralidade), como quem ampara dois filhos adoptivos, numa felicidade que aprendera a desejar, tanto, ver florescer...

...Como quando, ainda meninos, perdidos em risos e brincadeiras, se haviam empoleirado nos seus galhos mais firmes, agarrados um ao outro, vendo a paisagem primaveril que se estendia por aquele vale, tão longe das suas moradias... numa fuga àquilo que eles sentiam como o jugo dos adultos...

...Como quando, tremendo de nervosismo, ele, já adolescente, após ter aguardado largos momentos pela chegada dela e encostado ao tronco da Árvore... a vê aproximar-se... E, coração acelerado... voz quase engasgada... lhe estende um colar de flores, multicolor, todas entrelaçadas com um carinho não acompanhado pelo seu jeito com as mãos... E em seguida, arrisca numa emoção que quase o faz desfalecer, emitir em forma de som, a declaração do seu Amor por ela...

...Como quando, numa noite de Verão, sob a sua copa, os dois, ainda muito jovens, mas já adultos, uniram pela primeira vez suas essências, num bailado de carícias espiraladas, beijos sequiosos da saborosa humidade do desejo do outro, pernas enlaçando as costas dele, incitando-o a uma união mais profunda com ela... Ele, desenhando círculos e rios nas costas dela... Ele, fazendo florescer o desejo nela, em apaixonados e devotos beijos nos seus seios, marca da sua incontornável feminilidade...

...E não era a brisa mais amena, mais fresca, daquela altura do dia, que despertava os mamilos dela...

...E nessa noite, a árvore testemunhou, no transbordar de um desejo imenso, num derrame partilhado, numa fusão cantada ao som de gemidos surpresos e tão extasiadamente felizes... aqueles dois tornarem-se, verdadeira, total, e fielmente... Amantes...

...

E, entre outros momentos... a Árvore testemunhou o mais marcante... na vida daqueles dois caminhantes... Ela não entendia, pois nenhuma necessidade disso sentia, os sons cantados em forma de palavras dos seres transitórios e móveis... mas sentia-lhes, tão limpidamente, as emoções, emanações... E eles estavam, mais uma vez, ao pé dela, sobre o tapete castanho-esverdeado das vestes que a Árvore largara, numa homenagem ao Outono tão presente… Era tarde, e o pôr do sol adornava o verde do bosque, com tons dourados-rubro... Seria belo, não fosse a tristeza pungente que ressaltava dos Amantes...

...Discórdia, mas não agressão... Tristeza, mas não nenhum esmorecer do carinho entre eles... Angústia, mas nenhum negar do Amor que deles irradiava para com o outro, brilhante como mil constelações de Sois...

...mas era uma despedida. Não desejada, mas muito vincada. Rios de desespero jorravam dos espelhos das suas essências, cristalinos e com sabor a Mar... Dedos, entrelaçavam-se, como se por o fazerem por breves instantes, conseguissem torcer o incontornável... de uma despedida inadiável.

...Um último beijo, um último fulgor de Essências Partilhadas num Elo Inquebrável... mas vítima de uma cisão. Uma carícia dele, nos cabelos e rosto dela... Uma Prece carregada de um sentido eterno, numa quase promessa, raiada de tons de violeta de Esperança, e azuis de Amor...

...e eles separam-se. Ela vai... e perde-se, nas sombras de uma noite anunciada, qual Inverno da Alma, ao sabor de um restolhar lamentado, do vento nos ramos... Como se a própria Terra-Mãe expressasse o seu pesar...

...e ela, vestes brancas esvoaçantes, cabelos negros cor de Morfeu... desaparece entre árvores e arvoredo...

...E ele fica. Aguarda. Contém a dor a custo. Recorda tudo quanto viveu e quereria poder viver... e não lhe será permitido.

Afasta-se.

Caminha para uma clareira, despida de tudo, menos das Estrelas que o abraçam num pedido para regressar...

...Ele olha para cima... fecha os olhos... abre os braços... e transfigura-se. Calor de uma Chama Terna, que não queima mas aquece, acende-se ao seu redor... e ganha forma, espraiando-se das suas costas, como Asas Imensas...

...E naquele instante, é a Árvore que se sente criança, por comparação ao Elemental Fogo que perante ela se assume... Não mais um homem, jovem por comparação, mas um ser velho para além do Tempo... que deixou de poder ser criança...

E em Asas de Fogo, que o elevam nos ares, mais leve que qualquer coisa naquele Mundo... ele vai, num rasto de Luz Dourada, para o Abraço do Cosmos-Pai...

...Só que, para sempre, uma parte de si, naquela Terra-Mãe fica... e para sempre... uma ânsia de voltar...


Excelsior





Sentir que tudo vale a pena...
que cada passo em frente,
que cada recuar,
tem o propósito de encontrar o AMOR,
encontrar o meu EU mais profundo,
o meu sítio debaixo da Árvore...

Da Árvore que vela pelo meu Amor,
pelo meu Amante,
(Sentir) que cada minuto de distância
será guardado pelos ramos da árvore,
onde cada reencontro será o continuar do Amor,
(E) que cada reencontro será o eterno Agora que tanto busco...


Desassossego




Doem-me as mãos, meu amor, das palavras. Da furiosa loucura com que dedilho, os punhos na madeira da mesa que é redonda e não dá jeito, os dedos que rangem na sua viagem letra após letra, uma vírgula, uma vertigem que depois apago, tantas vezes apago, porque são inúteis as palavras, tu não existes, só és em mim, que te vejo a espaços, em delírios de noites mal dormidas e te cinzelo, noite após noite, os olhos que rasgo agora, depois a boca cheia, o teu peito desassossego, o abraço de traços lentos que me cruza as costas e corre em mim, e eu tremo e sinto o coração maior do que eu, o coração ou a alma, não sei bem, que nunca distingui uma coisa da outra quando as coisas chegam aqui. Aqui, meu amor. Aqui. Vê o meu sorriso de puto, os gestos largos, o desafio, contraste dos meus olhos vadios, o olhar cansado, olheiras fundas, olhos que são de espera do que não há, a não ser nas palavras que me torturam as mãos, mesa redonda, na furiosa loucura com que me dou. Dou. Que eu nunca fui de mim, sou como o vento, antes tornado, agora brisa, ainda vento. Voa em mim, meu amor que não há.


JM Coutinho Ribeiro




Viviam no mais azul amor, aquele que não existe na natureza verde esperança, construíram-no a partir dos laços do olhar mútuo, puro, sem disfarces, sem esfinges corruptas de outro (a)mar, egoísmo, e todas as maldades que o ódio, o rancor, a ira do mundo propiciam. Cem beijos, cem carícias, cem ondas que enrolam os corpos no azul mar, no fresco da praia, nas brisas ténues ondulantes, nos cabelos lisos dela, pretos pérolas que contrastam com o azul fino dos seus olhos e da sua pele luzidia nos braços de neve branca, tudo era partilhado com mimos entre ambos. Ele, que se escondia na floresta para procurar inspiração, certo dia o voltou a fazer, regressando, posteriormente, ao lugar onde se pronunciavam as palavras de amor, como se o futuro fosse o amanhã de agora em que nunca é tarde para o carinho. Ternura. E ali estava ela, cândida, na situação inversa de esperar por ele, branca noiva, que a iria surpreender, outra e outra vez, no trazer delicado de uma única flor que escolhera do jardim floresta. Havia chegado atrasado, ligeiramente. Na terra dos amantes o tempo escasseia na eternidade, por isso ela chorava lágrimas de amor, saudade, do seu príncipe. Demorou-se no escolher de mais uma flor, que sempre trouxe, sempre diferente, sempre bela, sempre feia, bruta, áspera, em comparação impossível com a sua Flor, aquela que por ele esperava. Felizmente, conseguiu encontrar a flor procurada: caule branco que beija as irresistíveis pétalas azuis abraçadas a um único núcleo arroxeado, bordada com uma fina renda de gotas, naturais, do orvalho – a mais sublime, a flor da Natureza –. Mas a sua Flor de olhos azuis e cabelo preto, chorava. Ao chegar, atrasado, fez-se menino e só teve tempo de correr para as suas coxas maternais, num abraço de perdão, de joelhos no chão, posição de reverência mas, acima de tudo, de Amor. Pediu-lhe desculpa do fundo do coração, aquele âmago inalcançável senão na terra dos amantes. Ela, doce, como todo o resto, soube segurá-lo. Perdoá-lo. Beijá-lo. Casar-se com ele outra vez, como fazia todas as noites antes de dormir: Vestia o seu traje vermelho paixão e encontrava-se com o seu príncipe, encantando-se com a flor que sempre trouxera, debaixo da árvore mãe que ambos escolheram, para sempre, como confidente e testemunha centenária da eternidade.
Todas as noites assim o era. Monotonia? Nunca o sentiam, porque o amor era o mais importante e, assim, assinavam na alma gémea correspondente, com a caneta da eternidade, de cor inexequível, o voto, o pacto, a dualidade carnal de cumplicidade una.
…Amaram-se, assim, – sorriso carinhoso – para sempre.

(Nós e a árvore somos as testemunhas. Felizes.)


Paulo Melancia





Havia no parque uma árvore que se ficava por sobre uma fonte em que grifos de pedra olhava os que por ali paravam, silenciosos e observadores.
Diziam que era um mistério aquela fonte e outro mistério aquela árvore.
Desde pequena que gostava de parar por ali, mesmo quando a casa e toda a quinta ficou ao abandono. Um abandono triste e desesperado de quem sente que foi feliz e deixou de o ser por mão de outros que não merecem a sua felicidade.
Desde menina que era aquele o canto dos seus segredos. Parava por ali em tardes quentes de Agosto, quando Agosto era mesmo Verão e o silêncio do parque lhe contava histórias de princesas mouras e cavaleiros cristãos, de cavalos árabes e princesas cristãs que fugiam de noite e, diziam depois,que tinham sido levadas nos braços do vento para o norte de África.
A árvore estendia os seus braços e sentia que ela ficava silenciosa a ouvir-lhe os pensamentos.
O Grifo, o que sempre ficava voltado para ela, por causa do local onde escolhia sentar-se, parecia aos outros um Leão, mas não era, era um Grifo e ela não sabia o que significava.
Só mais tarde, já mulher encantada pelas histórias dos templários, percebera o que significava aquela estátua de pedra que deveria jorrar água pela boca, mas estava seca e não deixava contudo de ter vida.
Não falava das suas descobertas a ninguém. Ninguém iria perceber. Todo o mundo iria duvidar. Já lhe parecia o auto da barca do Inferno.

Naquela tarde, e pela primeira vez, levara-o consigo.
Era Julho. Uma tarde quente de Julho que ali se tornava fresca e serena. Nunca ali levara ninguém Era o seu canto de segredos e miragens. O lugar de meditação e imaginação. O recanto dos deuses que partilhavam com ela segredos que só a serra conhecia.
Sentia, sempre que ali ía, como que um apelo de buscar o que de mais profundo e intimo havia em si e conseguia encontrar ou descobrir o que não conhecia. Era um local sagrado e esperava que ninguém o violasse.
Mesmo nos anos em que a Quinta ficara desgrenhada anos a fio, doente e abandonada, aquela árvore e aquela fonte continuaram a ser o canto das descobertas e das partilhas com a serra e a natureza, com o seu Eu interior.
Todos diziam que parecia ensombrada e houve dias em que quase teve medo de entrar, mas a magia do lugar quebrava o temor humano e ela sabia que aquele era o seu canto e o seu segredo.

Naquela tarde de Julho, a luz do Sol que ainda não se tornara dourada, espreitava por entre o verde das folhas e proporcionava a frescura de um jardim oriental que só naquele local era possível e debaixo daquela árvore era o céu.
A sonoridade da cidade e o stress de uma manhã de trabalho intensa diluíram-se no silêncio em volta.
Ele sentou-se na sua frente, tirou o casaco e arrancou a gravata..
Nenhum dos dois falava, ambos sabiam que era urgente não quebrar aquele silêncio porque os olhos tinham coisas para dizer.

Um empregado colocou-lhe na frente o bolo de chocolate macio e coberto de creme a escorrer pelo prato.
Ela gostava e gostava de lho dar aos pedacinhos... devagar, como se faz a uma criança que acabou de chorar muito e ainda soluça baixinho.
Os olhos encontraram-se e mergulharam no sentir de cada um... as mãos não se atreveram a mover-se porque sabiam que os olhos diriam tudo e nem seria preciso a Voz fazer-se ouvir. Sabiam tudo, tudo, como a velha árvore que a conhecia de menina, como a velha fonte e os Grifos com todos os seus segredos em volta... Eles sabiam que aqueles seres, quase mitológicos, os escutavam e sentiam o que eles sentiam.

Contaram-lhe que numa noite de lua negra, dois amantes ali se tinham perdido para sempre. Depois de se amarem como se o ontem e o amanhã existissem no nunca, tinham-se perdido na quinta, de noite, por entre as árvores,... ainda se falou que tinham caído ao poço... mas ela sabia que apenas tinham descido ao poço.
Perdidos do mundo lá fora, tinham jurado amor eterno como numa história de nunca mais ou uma história de inexistência e plenitude.
Tinham encontrado depois os brincos dela caídos sobre a cruz de Cristo no fundo do poço, mas dele nunca encontraram nada.
Falou-se em crime, mas não havia vestígios. Só sabiam que nunca mais ninguém os viu.

Pedacinho a pedacinho começaram a comer o bolo de chocolate sob os ramos verdejantes da árvore silenciosa... O tronco forte e protector parecia escutar o silêncio da voz e ouvir o som do olhar.
E contaram o que lhes ía na alma , e juraram que era verdade, e acreditaram que não poderia ser de outra forma. E interrogaram-se porque era assim... e eles que nunca ali tinham pedido aquele doce, perceberam porque o partilhavam, perceberam o sabor do chocolate acabado de deitar sobre a textura macia que se desfazia na boca.
Perceberam o que só aquela árvore sabia antes deles.
O grifo pareceu sorrir. Ele reparou que havia um cálice na escultura aos pés do animal entre o divino e o humano.
E falaram dos medos, dos impossíveis, da realidade e do sonho. E dos desesperos da distância e da fraqueza da existência, da força da alma e da verdade dos sentimentos que não morrem no tempo. E do tempo que não conheciam e a que tinham pertencido e em que se tinham conhecido, como se de uma outra vida se tratasse.
Ele disse-lhe que sabia de um lugar onde o Mundo acabava e as terras desabavam...
Ela disse-lhe que sabia de um lugar onde o rio se abre ao mar, de um sentir, de um entregar-se num abraço para aliviar apenas o cansaço. Ele disse-lhe que queria apenas deixar-se partir....
Os olhos dela disseram-lhe:- Sei de cor os teus silêncios.
E os olhos dele responderam-lhe: - Sei de cor o teu olhar.
E ela respondeu-lhe ainda: - Deixa-me ser a princesa das tuas histórias de encantar.....

E as mãos dele encontram-lhe os dedos finos e frios, e sorriu-lhe.
Uma lágrima deslizou pelo sorriso dela e, devagarinho, ele beijou-a e bebeu-a. Matava-lhe a sede .
Um sussurro de vento por perto trouxe o empregado que colocou dois cálices de um líquido que nenhum deles sabia o que era mas que beberam silenciosos.
Deram-se as mãos.
No tronco da árvore alguém desenhara disparatadamente duas letras que eram apenas uma , como só os gaiatos quando andam de amores.
Parecia um símbolo kármico, mas eles sabiam o que significava. Muitos anos antes uma garota numa tarde em que o Agosto era mesmo Verão, desenhara uma letra , muitos anos depois, um homem apaixonado fizera o mesmo, sobre a mesma letra, desenhara a mesma letra , numa noite de lua negra.
Beberam o liquido do cálice até ao fim.
Levantaram-se em silêncio. Ele deu-lhe a mão e ambos sabiam até onde iriam
Quando iniciaram a descida olharam-se sorridentes.
Sabiam o que iam encontrar.
Lá no fundo, por sobre a cruz e a estrela estavam os brincos dela caídos no chão. Ele apanhou-os e colocou-lhos. Depois, voltados para a luz que os espreitava por um dos túneis, caminharam sem medo da escuridão.
Um novo caminho se iniciava.
Ao fundo havia um recorte,... o da velha árvore da fonte dos grifos....

Cleópatra





No tronco milenário da árvore, havia sussurros de estranhas histórias antigas, novas e futuras.
Havia lágrimas de gente viva ou partida deste mundo.
Havia mãos chorosas e outras nervosas. Umas pesarosas outras cheias de esperança.
Havia manhãs , tardes e noites escuras. Muitos segredos.
A velha árvore sabia das vidas de tantos, dos desgostos e amores de tantos e, lembrava claramente uma tarde em que o Verão era Agosto, ou Julho, ou Novembro e um homem e uma mulher tinham jurado amor eterno sob a sua copa.
Um homem e uma mulher que o destino juntara para separar mais à frente. Um homem e uma mulher que nunca deveriam ter feito juras.
Um homem e uma mulher que nunca veriam escritos os seus nomes no tronco daquela árvore.
Um homem e uma mulher cujo amor era amaldiçoado.
E a velha árvore lembrou as lágrimas dela e os silêncios dele. Os medos dele e a coragem dela.
E ficou-se no tempo, à espera de que algo acontecesse aos dois. Nem que fosse noutra vida, com outro Verão, ou outro destino.


'Pecador Me Confesso'

segunda-feira, janeiro 07, 2008

COMO BARCOS VERMELHOS...

Pintura: Jia Lu - Adrift

Ela abraçou as palavras e a seguir despiu-as, letra a letra, devagar, como barcos vermelhos que lhe saíam dos dedos. Em silêncio. Como um ser alado da noite. Criatura onírica, transparente, indizível e única. Trazia no espelho do olhar todas as mulheres que ousara ser. Olhou-o de frente, como se olhasse para a estrela da manhã, e murmurou-lhe:
'- E pela última vez te contarei como me pinto de asas em noites de paixão. E pela última vez te segredo que fui flor de papel de seda colorido e fui menina com tranças em frágeis laços de papel de lua e fui noiva em moldura de flor de laranjeira e fui palhaço de rábulas surrealistas e delirantes e fui princesa de povos mágicos e dolorosamente reais e fui pérola tão impossível de tão pura e fui segredo em silêncio de homens proibidos e fui mulher em chamas vestida de negro e fui jardim onde repousas as ternuras que não confessas e fui jóia que usaste ao peito como medalha e fui sereia para que tu fosses capitão e fui pirata para que usasses o tesouro que era meu. E hoje, meu amor, desejo apenas que digas o meu nome...'
Ni*, in 'Cartas a um Amor Futuro' (excertos)