domingo, junho 27, 2010

DUMA CARTA ...

Post recuperado...
(roubado ao tempo-esquecimento...)

Desafio da Cleopatra:


MOTE:

“Duma Carta”


Escrevi-te ontem
somente para dizer
das minhas mágoas e do meu amor…
O Sol morria…
Tudo era sombra em redor
e eu…, ainda escrevia…

A pena sempre a correr
sobre o papel,
deixava cintilações,
nas pedras do meu anel!

E a pena corria…
Nem precisava ver, o que escrevia!

Anoitecera.
…………………………………………
Como eu em toalha de altar
A mesa
revestiu-se de luar!…

Nascera a lua.
E a pena, nos bicos leves,
dizia ainda:
– Sou tua!
Por que é que me não escreves?
Mas o papel acabou
e a pena continuou:
Por que é que me não escreves?
O meu amor é todo teu.
Só eu te sei amar!
– Só eu!…

Janeiro
1922


Judith Teixeira


~*~

(Foto-montagem: imagem retirada do blog da Cleopatra sobre foto minha. )




«Escrevi-te ontem
somente para dizer»


Que continuo aqui, parada no hoje. Como passageira adiada numa estação-desencontro, onde o comboio nunca tem o destino certo e onde as horas são sempre amanhã.
Se pelo menos soubesse falar-te de amores e lhes retirasse todas as rimas óbvias, gastas e repetitivas, com dores, talvez me aninhasse no silêncio de uma palavra onde esta distância-uivo-de-lua-nascente-mais-que-presente cessasse no agora e... para sempre. Mas onde e como esconder de ti o rio de fogo das saudades? Tudo passa, dizem. E todos os rios secam, dizem também. Menos um, feito abraço embalado e suspirado, por onde navegámos negando a solidão da noite. Lembras-te?
Mas eles, os que tanto dizem, não sabem.

E ninguém, nunca, saberá, que ainda permaneço deste lado do tempo onde sou tua.
Nem tu.

Nem tu...

«Por que é que me não escreves?»


Ni*

Fevereiro, 2009




5 comentários:

100anos disse...

Escrevi-te ontem uma carta que, como as outras, não mandei.
Acabada a nossa relação tempestuosa, ficou, de entrada, o previsível vazio.
Depois, lentamente, foi-se insinuando uma ideia de alívio.
A minha saída de Lisboa e a chegada ao Alentejo ajudou muito.
Caras novas, novos desafios, mulheres lindas que olham com ar vagamente inquisidor o jovem profissional que chega de longe e que ninguém conhece.
Não sei porquê, tenho-me lembrado muito do poema “Desiderata”:

És um filho do universo, irmão das estrelas e árvores,
mereces estar aqui e, mesmo se não podes perceber,
a terra e o universo vão cumprindo o seu destino.
Procura, pois, estar em paz com Deus,
seja qual for o nome que lhe deres.
No meio do teu trabalho e nas aspirações, na fatigante jornada pela vida,
conserva, no mais profundo do teu ser, a harmonia e a paz.
Acima de toda mesquinhez, falsidade e desengano,
o mundo ainda é bonito.
Caminha com cuidado, faz tudo para ser feliz
e partilha com os outros a tua felicidade

Ao mesmo tempo lembro-me de outro poema cuja autoria já esquecim as que poderia ser de Thiago de Mello, que no seu final diz uma coisa neste género:

“Tu vais viver contigo até ao fim da tua vida.
Estima-te, ama-te a ti próprio, trata-te bem,
Sobretudo não te odeies a ti próprio.
Nunca te esqueças: vais viver contigo até ao fim da tua vida”.

Ah, minha querida e doce A., como estás longe deste universo, como nos afastámos tanto, como pudemos amar-nos sendo pessoas tão diferentes e vivendo em mundos tão tão conflituosos.
Agora, neste momento, tenho uma certeza que não mais me abandonará: por mais que te ame, não quero voltar a ver-te, fazes-me sentir indefeso e mau, provocas em mim instintos violentos de auto-defesa contra a tua envolvência tantalizante que me emociona e me derrete mas que eu sei que, como sempre, vai acabar mal.

Não.
Não quero voltar a ver-te.
Sei que me procuraste – felizmente eu não estava, mas as pessoas a quem perguntaste por mim ficaram impressionadas por uma mulher de tanta beleza e aparentemente tão doce e virtuosa procurar um tipo que decerto não te merece.
Acabam por ter razão, mas ao contrário e sem o saberem: eu não te mereço – mereço muito mais, pelo menos aspiro a muito mais e começo a gostar de mim, abominável prática à qual tu nunca te habituarias.

Por isso mesmo nem sequer te mando esta carta.
Quero ser feliz, livre do teu fantasma.
Sou um filho do universo e mereço ser feliz, como dizem os poetas, e bem.
E ponto final.

Ni disse...

100 anos... 'uauuuuuu!!!!'
...

Arrebatador... tudo o que escreveste!
Força, convicção... determinação.

Gostei! Muito. Mesmo muito!

«Acabam por ter razão, mas ao contrário e sem o saberem: eu não te mereço – mereço muito mais, pelo menos aspiro a muito mais e começo a gostar de mim, abominável prática à qual tu nunca te habituarias.»

Estonteantemente forte e corajoso!

Abraço embalado

Ni*

100anos disse...

Obrigado, Ni.
Os pensamentos que plasmei no comentário correspondiam mais ou menos ao turbilhão contraditório que eu sentia no idos de 80, já lá vão quase 30 anos.
Eu e a A. estávamos quase na casa dos trintas e ficámos "caídos" um pelo outro a contragosto... de ambas as partes, verdade seja dita.
Era uma relação impossível, demasiado conflituosa para ter algum jeito.
Aquilo tinha de acabar e acabou mesmo.
Não tenho a menor dúvida de que se não tivesse tido a força necessária para cortar, hoje já estaria mais do que divorciado da dita, com todos os custos e toda a dor associada.
Com aquele dramalhão aprendi uma grande lição: tenho, antes do mais, que ser fiel e leal a mim próprio - se tentar ser quem não sou, o resultado será sempre disparatado.
Um abraço e obrigado pelo calor do acolhimento.
100

Ni disse...

Gosto muito do teu modo de ser 'verdadeiro e lúcido'!
A lucidez é algo que está a rarear, amigo 100! E aliada a essa tua lucidez... sempre... sempre... a força da verdade dos afectos... a sensatez... a honra... que mantém a balança equilibrada. A sensibilidade, tão necessária aos olhos com que absorvemos o mundo... é também uma das marcas da tua passagem por esta vida!

'Gosto-te!'... :)

Ni

Anónimo disse...

... desencontrei-me de ti ... e só eu sei. Só eu.