domingo, dezembro 10, 2006

LISBOA, em Dezembro... e um poema...



Tríptico
II

Herberto Helder



Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
- eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
- E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
- não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço -
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe, o amor,

que te procuram.


...

Lisboa... única.
Herberto Helder... sublime.
...

Fazem-me bem.

Ni*

2 comentários:

Amaral disse...

A tua imagem de Lisboa é o reflexo do teu estado de espírito?!... Cor, beleza, tranquilidade...
Quando a sombra cai, libertaste-te das formas que havias aceitado como tuas e iluminaste os "milagres" sem forma que, "dentro de ti" passaram a ser a verdade.
No poema é fácil encontrarmo-nos aconchegados de brandura...
Faz-nos bem!...

Joana disse...

Nina-amiga-irmã...

tenho-te sempre assim, como na fotografia, presente, calma, doce, eterna...tenho-te sempre em mim!

Leio e releio as tuas passagens, os teus momentUS e encontro-me contigo, encontro-nos de mão dada. Na Misha, nos livros, nas cartas, nas palavras, nos cheiros e sabores. Perco-me no sorriso dos Micas, dos teus, meus meninos...!

Fico aqui aconchegada, enroscada no teu colo, a ronronar...

Beijinho de luz, abraço de carinho.