Meu Amor,
Olhei-me numa fotografia amarelecida e revi uma menina, sorrindo, no meio de bonecas, livros, mantinhas de lã e muito amor. Era feliz e não o sabia. Ou talvez soubesse. Só não sabia que vivia num momento que iria desaparecer.
Naquele meu sorriso habitava o desconhecimento dos monstros ocultos em tantos mares por navegar, das despedidas anunciadas, da imensa fragilidade das existências. Ignorava que a vida adulta é, essencialmente, cadeia na qual as intermitências luminosas convivem com incertezas e angústias várias e que nos apegamos à vida, cravando as unhas na nossa própria pele, rompendo joelhos, pés e mãos na caminhada, porque, conscientes das nossas consecutivas finitudes, perseguimos, ébrios de sonho, um simulacro de eternidade.
Meu amor, não temas, não ficarei enredada nos estilhaços da minha memória. Cada momento transportar-me-à para o momento seguinte, fazendo-me esquecer e renascer um pouco. Inspirarei em longos haustos cada estridência solar.
Mas nunca prometerei não olhar para trás, estátua de sal eu seja, se tal for determinado por quem dita o porvir. As minhas lembranças embaciadas, desarrumadas, insurrectas quanto às cronologias lineares são a minha matriz vivencial e quero partilhá-las contigo, meu amor.
Quero ofertar-te a minha infância.
Abre os braços e voa comigo...
...e tudo o que de mim eu sei
a ti, que tua sou, eu dei.
Ni*
12 comentários:
Engraçado
Aqui falas de mar..
Hoje postei algo que só quem o souber ler entenderá...
Há homens que nunca viram nem verão o mar.
Bj NI BDomingo
Saudades das nosas conversas.
Não ofertes a tua infancia. Há infancias que são caixinhas de segredos escuros e maus.Eu tenho medo da minha infancia.Guarda o teu tesouro.
CLEÓPATRA:
Há sempre o mar...
Dos embalos, do sal na pele, dos silêncios ('Le Silence de la mer', Vercors... já leste?)... das águas partilhadas, dos naufrágios (procurados e conseguidos) num suspiro em espiral... a dois... (ou UM)...?
...
Bj
Bom Domingo também para ti!
«PECATOR» :
Todas as infâncias são caixinhas de música...
Tens medo? Se abrisses essa tua caixinha de mão dada com alguém que te protegesse (n)o afecto... talvez o medo passasse.
É um tesouro, sim. E só o(me) partilharei com alguém que a minha bússula secreta, a minha 'anima', me indique como sendo alguém que não receia viver comigo o Norte e o Sul, o Mar e a Terra, a Estrela da Manhã... e a lunar Deusa da Noite...
O mais provável é que não exista alguém assim. Mas se existir... terá 7 céus à espera... sete mares...
Sorriso.
Infancia, tempo de magia e sonhos mil, ofereceres a tua infancia a quem amas é de facto dares um pedaço de ti própria. Assim o entendam, respeitem e saibam ler, ver aperciar e acima de tudo viver. Muito belo Ni, mesmo muito belo.
Beijo de raios de luar perdido
"Naquele meu sorriso habitava o desconhecimento dos monstros ocultos em tantos mares por navegar, das despedidas anunciadas, da imensa fragilidade das existências. Ignorava que a vida adulta é, essencialmente, cadeia na qual as intermitências luminosas convivem com incertezas e angústias várias (...)" : tal e qual! É um drama o nosso desconhecimento, enquanto crianças, do mundo cruel que nos espera, para nos atacar, assim como que à traição... caramba, como viver doi tanto!
E podia ser tudo tão fácil! Tão belo! A dor ausente, a tristeza ausente...
LUAR PERDIDO:
Esta série de textos que comecei a escrever... são 'cartas' a um amor passado ou futuro... não sei.
Talvez sejam 'Cartas ao amor...'... já que assim o destinatário é o próprio sentimento... e não alguém que... inevitavelmente... com a mentira, a traição, a agressão... profanará o templo sagrado deste sentir.
AMOR? Acredito nele, como no pulsar do meu coração...
Pessoas?... Talvez tenha encontrado até agora as erradas... ou talvez me tenha dado com a força das marés... a quem nem uma gota entenderia.
Mas o AMOR sentido nunca é em vão... o Universo recebe-o, mesmo maltratado... e absorve-o, transmuta-o em LUZ....
Beijinho de vento alado
CABRAL- MENDES:
«E podia ser tudo tão fácil! Tão belo! A dor ausente, a tristeza ausente...»
Podia, meu caro amigo... se podia!
Às vezes penso que o ser humano procura não a felicidade, mas motivos para ser infeliz... ou, o que ainda é mais grave, motivos e formas para fazer os outros infelizes....
Saudades de ser pequeNINA!
Saudades de acreditar que na vida só poderia ser muito feliz!
Saudades de ACREDITAR...
Abraço com muito, mas muito carinho...
Deixo-te um sorriso, Ni, porque não tenho palavras.
Revi-me, só.
Um beijo
Tenho lá um momento de risos nossos ...Vai espreitar.
Um momento criado por nós! eh eh eh eh
Ni...
Que texto tão belo...
A nossa infãncia , bem tão precioso nas nossas memórias...
Só alguém com um coração tão doce a ofertaria a outro alguém
Maravilhada com tais palavras e sentires , te deixo um beijo enorme!
(*)
Mi
"Quero ofertar-e a minha infância.
Abre os braços e voa comigo..."
Que belos versos! Isto sim, é poesia de fato!
Quantas lembranças escondidas no recôndito da memória de uma infância perdida, mas recuperada na fase adulta e compartilhada com a cara-metade! Gostei muitíssimo de seus MOMENTUS, Nina!
Sou brasileiro, da Ilha de Marajó, Estado do Pará.
Faz-me um favor: ajude-me a divulgar aí em Portugal meu blog de poesias? O link é http://jaimeadilton.blogspot.com/
por aqui, no Brasil, vou divulgar o seu. Parabéns e obrigado!!!
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